Criada para resolver um impasse recorrente entre compradores e vendedores de imóveis, nova norma do Conselho Nacional de Justiça transforma ...
Criada para resolver um impasse recorrente entre compradores e vendedores de imóveis, nova norma do Conselho Nacional de Justiça transforma cartórios de notas em garantidores fiduciários, elimina improvisações e promete mudar radicalmente a lógica de segurança jurídica nas vendas à vista. Especialistas, tabeliães e operadores do direito avaliam o alcance da medida e seus desdobramentos.
Por Anderson Miranda | Especial para o Tribuna do Brasil

*Brasília, 27 de junho de 2025* – O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou, no último dia 23 de junho, uma norma que pode representar um divisor de águas nas transações imobiliárias no país. Aprovada em caráter normativo vinculante, a medida estabelece a criação da chamada **Conta Notarial**, uma conta bancária de titularidade do cartório de notas, responsável por **receber, custodiar e liberar valores** apenas mediante o cumprimento de requisitos formais da transação — sobretudo a lavratura da escritura pública de compra e venda.
A inovação surge como resposta a um **antigo impasse jurídico e operacional** que assombra corretores, compradores, vendedores e até tabeliães: **quem deve cumprir sua parte primeiro?** O comprador, ao pagar o valor do imóvel? Ou o vendedor, ao assinar a escritura de venda?
Na ausência de um mecanismo intermediador neutro, o mercado viu florescer práticas informais — e até arriscadas. Pagamentos via PIX feitos minutos antes da assinatura, transferências bancárias com telas de comprovante ainda não creditadas, cláusulas de fé cega e, não raro, litígios judiciais posteriores por inadimplemento ou má-fé.
A origem do problema: insegurança jurídica travando negócios
Historicamente, o Brasil carecia de um mecanismo fiduciário imparcial que pudesse funcionar como garantia recíproca para negócios imobiliários feitos à vista. Ao contrário do que ocorre nas alienações fiduciárias (em que o bem fica em nome do credor até a quitação), as operações à vista exigem confiança extrema entre as partes — algo cada vez mais raro num mercado pressionado por golpes, disputas e incertezas documentais.
O dilema era clássico: o comprador temia pagar antes de assinar a escritura e o vendedor temia assinar sem ter recebido o valor integral. Em meio ao impasse, corretores improvisavam soluções e colocavam em risco sua própria segurança, assinando documentos com partes ainda em desacordo ou esperando transferências sob promessa verbal.
A Conta Notarial como instrumento de blindagem jurídica
A medida do CNJ formaliza e padroniza um novo procedimento. Agora, os cartórios de notas passam a exercer um papel similar ao de instituições fiduciárias, como ocorre em alguns países com os chamados "escrow accounts" (contas-escrow), usadas nos Estados Unidos e na Europa para garantir negociações sensíveis.
Pela nova norma:
* O comprador deposita o valor total do imóvel em uma Conta Notarial, de titularidade do cartório.
* O cartório só libera os valores ao vendedor após a assinatura da escritura pública por todas as partes envolvidas.
* Caso o vendedor se recuse a assinar, o dinheiro retorna automaticamente ao comprador, sem necessidade de ação judicial.
* O procedimento ocorre de forma eletrônica, integrada à plataforma e-Notariado, com rastreabilidade total, segurança criptográfica e registros auditáveis.
Regulamentação técnica e respaldo das entidades notariais
A medida foi construída com apoio direto do Colégio Notarial do Brasil e da ANOREG/DF (Associação dos Notários e Registradores do Distrito Federal), instituições que há anos defendem uma modernização no papel dos cartórios como agentes de segurança jurídica.
A Conta Notarial foi desenhada para atuar não apenas em vendas imobiliárias, mas também em outras operações jurídicas que envolvam pagamentos condicionados à lavratura de atos notariais, tais como:
* Adjudicações compulsórias
* Partilhas e inventários extrajudiciais
* Doações com encargos
* Pagamento de parcelas vinculadas a obrigações legais
* Depósitos extrajudiciais em acordos privados
Impactos esperados: profissionalização e fomento do mercado à vista
Especialistas consultados pelo Tribuna do Brasil são unânimes em afirmar: a Conta Notarial tem potencial de profissionalizar radicalmente o mercado imobiliário à vista, promovendo confiança institucional e aumentando a velocidade das negociações.
> “O mercado está sedento por mecanismos de confiança. Essa medida oferece previsibilidade e segurança, o que pode estimular inclusive compradores estrangeiros e grandes investidores a fechar negócios sem receios operacionais”, afirma o advogado Arthur Mesquita, especialista em Direito Imobiliário e Registral.
Na avaliação de corretores de imóveis e síndicos consultados, a mudança pode inclusive ajudar a desafogar o sistema bancário, que concentra boa parte das transações imobiliárias por meio de financiamentos, justamente pela ausência de meios seguros nas compras diretas.
Limites e críticas: concentração de poderes nos cartórios?
Embora a medida seja amplamente aclamada, ela não escapa de críticas. Algumas vozes do meio jurídico argumentam que a Conta Notarial confere aos cartórios poderes excessivos, inclusive no controle de grandes volumes financeiros.
> “É preciso haver mecanismos robustos de auditoria e responsabilização dos tabeliães. O Estado está delegando aos cartórios não apenas fé pública, mas agora também função de intermediador bancário”, alerta a promotora de Justiça aposentada Luciane Petri.
Outros especialistas apontam que a medida pode aumentar as custas cartorárias, especialmente se forem criadas taxas adicionais sobre a administração desses valores. Embora o CNJ não tenha se manifestado ainda sobre essa possibilidade, o risco de onerar ainda mais o cidadão permanece em pauta.
Um novo capítulo para a segurança nas transações imobiliárias
Com a criação da Conta Notarial, o Brasil se alinha, enfim, a modelos internacionais de mediação fiduciária em negociações de alto valor. A medida, embora tardia, sinaliza uma virada de paradigma: o fim da informalidade nas vendas à vista e o início de uma era de transparência, rastreabilidade e proteção das partes.
Em um país onde a confiança institucional é um ativo escasso, o simples fato de saber que o dinheiro está seguro — e que será liberado apenas com a escritura assinada — pode representar a diferença entre uma venda bem-sucedida e um litígio amargo que se arrasta por anos.
Próximos passos
O CNJ deverá publicar nas próximas semanas os manuais operacionais da nova Conta Notarial, incluindo normas técnicas, padronização de procedimentos e integração com sistemas bancários. Também está prevista uma cartilha de orientação ao público leigo e aos profissionais do setor.
A grande questão que se impõe agora é: os cartórios de todo o país estão preparados para essa transformação?
O tempo dirá. Mas o primeiro passo foi dado — e é, sem dúvida, um dos mais relevantes dos últimos anos na modernização da segurança jurídica brasileira.
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