Via bloqueada para veículos reúne famílias, ciclistas, esportistas e frequentadores de todas as idades ao longo dos 14 km do DF-002, reforça...
Via bloqueada para veículos reúne famílias, ciclistas, esportistas e frequentadores de todas as idades ao longo dos 14 km do DF-002, reforçando o caráter democrático do espaço público em Brasília
Por Jornalista Anderson Miranda, exclusivamente para o Tribuna do Brasil

No feriado da Consciência Negra, celebrado nesta quinta-feira (20), o Eixão do Lazer voltou a mostrar por que é considerado uma das maiores conquistas de uso democrático do espaço público em Brasília. Ao longo dos 14 quilômetros da DF-002, que cortam a capital de norte a sul, o que normalmente é uma via expressa de alta velocidade se transforma em um grande parque linear, ocupado por famílias, ciclistas, corredores, pedestres, pets, crianças e idosos.
Mais do que uma pista fechada para carros, o Eixão do Lazer se consolidou ao longo de 34 anos como um símbolo de convivência, cultura, memória afetiva e expressão coletiva. Em um dia especialmente significativo, dedicado à reflexão sobre a luta histórica da população negra no Brasil, o cenário era de ruas tomadas por pessoas se exercitando, praticando esportes, organizando piqueniques, brincando com crianças e compartilhando o espaço de forma pacífica e plural.
Lazer, inclusão e pertencimento
A nutricionista Thyelle Loriato, 41 anos, escolheu o Eixão como destino do feriado em família — incluindo as três cachorras. Amante de piqueniques, ela conta que a família estabeleceu como meta conhecer e aproveitar mais os espaços públicos da capital.
“É um local em que a gente pode trazer as cachorras, porque ficamos muito limitados. Temos três, e a maioria dos lugares que aceitam pet permite só um. Aqui dá para vir todo mundo”, relata, enquanto organiza toalhas e lanches no gramado.
Por ser neurodivergente, Thyelle prefere as áreas mais afastadas da via, longe dos pontos de maior aglomeração. “Procuro ficar nos trechos mais tranquilos, com menos barulho. Isso faz muita diferença para eu conseguir aproveitar o dia”, explica.
Ela destaca ainda o papel do Estado em garantir que espaços como o Eixão sejam de fato públicos, abertos e acolhedores.
“Acho muito importante essa iniciativa nos grandes centros, principalmente para a gente que vem de fora e conhece pouquíssimas pessoas. Quem mora em apartamento, então, muitas vezes nem conhece os vizinhos. Aqui a gente interage: os cachorros brincam com os que passam, as pessoas param, conversam. É uma forma mais discreta de interação, pouco invasiva, mas que cria laços”, afirma.
A experiência de Thyelle dialoga com uma tendência apontada por urbanistas e pesquisadores de políticas públicas: em cidades marcadas por condomínios fechados e centros comerciais, espaços como o Eixão do Lazer cumprem um papel de integração social e de combate ao isolamento, funcionando como “quintal coletivo” para quem não dispõe de áreas livres em casa.
Regulamentação e segurança
O funcionamento do Eixão do Lazer é regulamentado pelo Decreto nº 46.226/2024. Pelo texto, a via DF-002 permanece totalmente interditada para veículos automotores das 6h às 18h aos domingos e feriados, garantindo prioridade para atividades não motorizadas e reforçando o conceito de mobilidade ativa.
Nesse período, a população pode usar a pista para caminhadas, corridas, ciclismo, skate, patins, patinete, atividades recreativas, esportivas e culturais. A proposta é integrar saúde, lazer e convívio social em um mesmo espaço, de forma gratuita e acessível.
Ao longo da via, também são autorizadas barraquinhas de alimentos e bebidas, além de pequenos eventos. Apresentações artísticas, música ao vivo e uso de som amplificado são liberados entre 10h e 17h, desde que respeitadas as normas de volume e de ocupação do espaço. A montagem das estruturas deve ser concluída até as 10h, e a desmontagem precisa ocorrer até as 18h, quando o Eixão volta a ser liberado para os veículos.
Essas regras são apontadas por técnicos do GDF como fundamentais para conciliar o direito ao lazer com a necessidade de organização, segurança e mobilidade na cidade.
Mãe, filha e o “quintal” da Asa Norte
Moradoras da Asa Norte, Bárbara Almeida, 40 anos, e a filha Ana Rosa, 9, aproveitaram o feriado para um passeio de bicicleta — ideia da pequena.
“Hoje o papai ficou em casa, então eu vim pedalar com a mamãe. Eu que dei a ideia”, conta Ana Rosa, rindo, enquanto descansa à sombra de uma árvore.

Perguntada sobre o que mais gosta no Eixão do Lazer, ela responde sem pensar muito:
“Tem muitos morros pra pegar impulso e muitas barraquinhas de água de coco. Eu gosto da água de coco”, diz. Para a menina, o espaço é sinônimo de diversão e liberdade: “Significa se divertir, fazer piquenique, atividade ao ar livre. Teve uma vez que a gente fez piquenique com quase todo mundo da minha turma da escola, e depois a gente ficou pedalando”.
Bárbara complementa apontando o caráter inclusivo e plural do local.
“Aqui dá pra fazer de tudo: pedalar, caminhar, passear com as crianças e com os bichinhos. As áreas de lazer ajudam muito. Hoje mesmo vimos uma pessoa com uma carretinha levando dois cachorros e outra com o cachorro na mochilinha. Aqui você vê de tudo. É um espaço muito diverso”, resume.
Segundo ela, o Eixão do Lazer também representa uma alternativa importante para quem não tem condições de pagar clubes, academias ou espaços privados de recreação. “É um lazer acessível, central, seguro e que funciona. Quando a gente fala de política pública que dá certo, é disso que está falando”, avalia.
34 anos de história e referência nacional
Criado em 1990, o Eixão do Lazer é considerado uma das experiências mais bem-sucedidas de reapropriação do espaço urbano pela população no Brasil. Inspirado em iniciativas de cidades como Bogotá (com suas “ciclovías”) e em políticas de fechamento de vias em outras capitais, o projeto consolidou uma cultura de convivência ao ar livre que atravessa gerações.
Ao longo dos 14 km da DF-002, a cena se repete a cada domingo e feriado: grupos de ciclistas organizados, corredores de performance, famílias com crianças pequenas, idosos em caminhada leve, praticantes de yoga, slackline, aulas de dança, além de apresentações artísticas espontâneas.
Estudos de universidades e de órgãos de saúde pública já apontaram o impacto positivo do Eixão do Lazer na redução do sedentarismo, na promoção da saúde física e mental e na construção de uma identidade urbana mais humana em Brasília. Em muitos casos, o primeiro contato de crianças com esportes de rua — como bicicleta, patins e skate — acontece ali.
Operação integrada de órgãos do GDF
Para que o Eixão do Lazer funcione com segurança, uma estrutura integrada de órgãos do Governo do Distrito Federal é mobilizada a cada edição.
O Departamento de Trânsito (Detran-DF) e o Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF) são responsáveis pela interdição da via, sinalização, desvios e fiscalização do tráfego nos acessos. A Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística (DF Legal) atua na supervisão das atividades comerciais e na ocupação do espaço, verificando se ambulantes e barracas seguem as normas vigentes.
A Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) reforça o policiamento ao longo do Eixão, garantindo sensação de segurança para as famílias. Em dias de maior movimento, equipes de saúde e de emergência também podem ser mobilizadas para cobrir o percurso, especialmente em pontos de maior concentração de pessoas.
Essa articulação permite que o espaço funcione como um grande parque urbano a céu aberto, mas com respaldo institucional, planejamento e protocolos de segurança.
Consciência Negra e direito à cidade
Realizado no feriado da Consciência Negra, o Eixão do Lazer ganha uma dimensão simbólica adicional. A data, que marca a resistência e a memória da população negra brasileira, também chama a atenção para o direito à cidade, à circulação e à ocupação dos espaços públicos.
Em uma capital marcada por contrastes sociais, ver a principal via expressa transformada em território de encontro, diversidade e convivência pacífica reforça a importância de políticas urbanas que priorizem as pessoas. No Eixão do Lazer, diferenças de renda, cor, origem e religião dividem o mesmo asfalto, o mesmo gramado, a mesma sombra de árvore.
Ao fim do dia, quando o relógio se aproxima das 18h e as equipes começam a sinalizar a liberação da via para os veículos, famílias como a de Thyelle e Bárbara recolhem suas coisas, desmontam piqueniques, guardam bicicletas e brinquedos. Mas a certeza é a mesma para muitos frequentadores: no próximo domingo ou feriado, o Eixão do Lazer estará novamente à disposição, reafirmando seu lugar como um dos principais símbolos de convivência e cidadania em Brasília.
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